Cidade Vermelha
Viajar é apurar todos os sentidos. É abrir os olhos, fazer por quantas menos vezes pestanejar, não vá o olhar perder pitada de tudo o que à nossa frente nos é oferecido a degustar, a sorver. Fazer as malas, por um dia, uma noite que seja, é apressarmo-nos, selectos, na escolha das roupas e demorarmo-nos nas paisagens, nos paladares variados, nos cheiros que nos acordam os narizes tantas vezes adormecidos pela monotonia dos dias, demorarmo-nos nas gentes. É deixar que o silêncio, as emoções falem quando as palavras não têm por que ser ditas. É aproveitar cada segundo, não nos perdermos nas mesquinhices dos egos e fazer valer a pena. Ainda trago na boca o gosto dos sabores diferentes, que me impressionavam o palato, entre sons e cores e texturas daquela Cidade Vermelha que em tudo se fez inigualável. Os odores intensos das ruas, o quente do ar que nos fazias festinhas leves na pele morena, nos cabelos soltos sob os ombros nus. Ali tirávamos o vestuário de verão do descanso de meses nas gavetas, arrumado por tons e feitios. Naquele lugar, os olhares acompanhavam-nos à passagem daqueles que viam em nós os traços e a língua duma Europa já ali adiante mas em costumes tão diferente, tão distante.
Na praça mais vibrante e emblemática da cidade, Jemaa El Fna fazia-se imensa entre labirintos de tendas, animais exóticos e o regatear do comércio local. Estávamos em Marraquexe e os sentidos queriam-se atentos. Recordo aquele final de tarde, naquela varanda debruçada sob o caos ímpar da cidade. Os sons que se atropelavam entre músicas e vozes e pequenos suspiros de prazer pelo pôr do sol que se punha ali mesmo, à nossa frente. E o tempo pareceu parar. Duas águas sobre a mesa e o céu imenso de tons quentes que nos convidava a ficar. Era o último dia dos cinco tão bem passados e consumidos à exaustão pela Marraquexe intensa de cheiros, imensa de gentes, num regresso que se quer tanto.